era para o ano estar começando hoje

Isabela Jayme
2 min readFeb 18, 2021

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Dizem que o ano começa só depois do carnaval, mas este não é qualquer ano.

Pela primeira vez não escutamos os hits do carnaval na rua, não planejamos fantasias, não usamos a cola quente para as novas invenções, não teve glitter no rosto, cabelo e corpo por pelo menos uma semana. Não teve “3 latão por 10”, as roupas se enroscando enquanto a gente andava no sentido contrário aos trios elétricos. Não cantamos Banda Eva a plenos pulmões. Não teve fila pra banheiro, amizades começadas nessa e em outras filas, não teve o trabalho de desmontar o figurino, tirar o maiô e vestir de novo, tudo em tempo recorde para já comprar a próxima cerveja ou bebida duvidosa de cor esquisita.

Não encontramos nossa gente, não abraçamos a cada minuto, não sentimos o mesmo calor no corpo, não nos perdemos e depois tivemos que compartilhar a localização em tempo real do whatsapp. Não mandamos áudio dizendo “amiga, estou perto do carrinho de bebida do guarda-sol amarelo com aquele cara vestido de jacaré”. Não teve olhar trocado de longe nem de perto. Nem beijo. Nem telefone. Não voltamos pra casa com os tênis imundos nem com todos os tipos de ressaca, mas ainda incrivelmente prontos para repetir tudo de novo no dia seguinte.

O carnaval é a representação de tudo que não se deveria fazer durante uma pandemia, por isso a saudade acumulada da vida pré-corona dói mais agora. Meu celular esfrega memórias de carnavais passados todo dia de fevereiro. É fevereiro e não tem carnaval, Jorge Ben. E nem benção de Deus para nos livrar desse caos que o desgoverno do país tropical criou.

Da quarta-feira (e dos últimos meses), eu tô só a cinza. É fevereiro e não tem carnaval, mas eu cansei de esperar o ano começar. Aguardar a sensação de que as coisas vão mudar, que tudo vai passar, sentir que estou viva. A verdade é que às vezes nada acontece. Não vem sinal do universo, benção divina, sorte mágica, previsão nas cartas de tarô, mensagem escrita nas estrelas, como quiser chamar. Nada. A não ser que que a gente decida que já é hora. Hora de começar sozinha, forçar as portas, abrir novas trilhas, encontrar aqueles para segurar a mão no caminho e não esperar o “estar pronta” que nunca chega.

Primeiro mergulhar de cabeça, depois se virar para continuar. Não parar de bater as pernas. Vai passar. Rubel já dizia:

Eu vou passar
Cê vai passar também
Vamo passar porque passando
Vai passar, meu bem

Não vejo a hora. Por enquanto, se alguém me perguntar como estou, a resposta será: “estou indo, e você?”.

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Isabela Jayme

experimentadora criativa. leitora entusiasta. expressadora artística. registradora de memórias. roteirista de viagens. testando escritas múltiplas.