o problema das esponjas

Isabela Jayme
3 min readApr 25, 2021

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Isa, você é uma esponjinha

Reli a resposta na tela após contar sobre alguns acontecimentos e atravessamentos recentes. Meu queixo caiu enquanto as sobrancelhas subiam lentamente. É justamente essa palavra que tenho usado para me descrever nas últimas semanas. Esponja. Um corpo que absorve demais, tem poros demais, circula água demais. Que não escolhe o vem na sua direção e não tem como fugir do que quer entrar. Poríferos, afinal, não sabem nadar.

Deve haver um limite para a esponja. Um momento pré-colapso em que o corpo anuncia que não tá tudo bem. Alguma espécie de alerta para partículas estranhas que adentraram o organismo e não servem de alimento. Um ponto em que filtro se torna fraco, tudo atravessa, atinge, afeta numa escala que parece imune ao próprio controle. Os poros abertos e as feridas expostas como um convite. Quer levar mais um pedaço? Deve ser essa a sensação de se desintegrar.

Senti falta de mim, dos meus pedaços, do meu eu inteiro. Senti falta de sentir vida. Se esse é o um novo estágio do “sentir à flor da pele”, gostaria de voltar uma casa. Talvez até duas, parar pelo menos por um tempo, diminuir a dose, regular a intensidade. É possível trocar o modelo do filtro? Procuro um modelo mais resistente, à prova de rasgos. Existe?

Fico imaginando. A esponja filtra um mar de água, gera nutrientes para outros seres e mantém o ecossistema saudável, mas quem cuida da esponja? Será que ela também sente que doar-se pesa mais quando o mundo parece desabar ao seu redor e o cuidado de si não vem primeiro? Será que ela desconfia que afeto não é autonegação e vulnerabilidade não deve significar falta de proteção? Ela já descobriu que isso não é egoísmo e sim sobrevivência?

Esse é o problema das esponjas. Seus poros deixam que matérias forasteiras se espalhem pelo interior. Algumas delas vão embora com a corrente, outras permanecem, obstruem caminhos, fecham saídas. A esponja não manda os viajantes limparem bem os pés no capacho antes de entrarem. Ela não vai expulsá-los. Eles apenas atravessam. E de repente, tudo se mistura ali. Dentro. Como cuidar do que é dela e do que é de fora? Como escolher o que vale a pena e continuar vivendo? Lembra, esponja, que troca não é sacrifício.

É verdade que me envolvo demais, me afeto demais, transbordo demais. Já me enxerguei com uma fraqueza ou defeito de fábrica, uma parte que deveria ser vigiada para não assustar os “equilibrados” (se é que existe alguém que pode se autoproclamar assim). Prefiero los equilibristas. Ainda bem que crenças e percepções transmutam, especialmente as nossas próprias. Tenho aprendido a olhar com carinho para o conjunto dos meus pedaços, afinal também é isso que me faz ser quem sou. Não é perfeito, mas é meu.

Uns dias atrás vi uma série de colagens do alfabeto. Minha inicial dizia “I de insistir em acreditar". É também isso que me segura. Como diria meu pai, não é teimosia, é persistência. Bater o pé em esperançar, mesmo que isso exija travar uma luta todo santo dia. Respirar no presente, rememorar águas passadas, acreditar que o futuro existe sim, logo ali. Aguenta mais um pouco, segura naquilo que te aquece e não solta. Não solta até passar.

Lembra que o movimento da água também é a fonte que nutre, o caldo que gera vida, a imensidão que brinda surpresas, o mergulho profundo que permite as conexões. Não procuro tampar os poros, não desejo interditar a entrada, não ouso separar a água de dentro da água de fora. Deixo circular. Invento, no entanto, a vontade de desvincular as rotas e estadias de lo que da dolor de lo que me da vida. Que a primeira não se demore. Quanto à segunda, que faça morada pelo tempo que desejar.

Uma curiosidade sobre as esponjas: elas também se regeneram. Cada pedaço que se perde tem em si vida suficiente para recomeçar mais uma vez. Insistir em acreditar. Até mesmo as esponjas sabem.

Se não me encontrar disponível, no te preocupes, estarei regenerando.

Quiero encontrarte entera.

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Isabela Jayme

experimentadora criativa. leitora entusiasta. expressadora artística. registradora de memórias. roteirista de viagens. testando escritas múltiplas.